sexta-feira, 23 de março de 2012

Live and Let it be

-Ontem era aniversário do velhote que eu mais admiro nessa vida, meu avô…
Ele é a legítima figura do homem brasileiro: origem indígena, pele parda, olhos miúdos, cabelos gris fugindo pelas famosas entradas-frontais, caminhar cansado, braços que pesam, vista curta, bolso furado, chinelo-de-dedo e camisa-de-time.
Completou setenta e sete sofridos anos de vida; regados a cerveja barata, pasteis fritos na hora pelas mãos calejadas e tremulas de minha avó e uma pequena torta, presente de minha mãe. Sem velas, já fora difícil arrancar-lhe a real idade, que dirá expor a mesma sobre o glacê taxativamente.
Nesse mesmo ano, no meu aniversário, ele havia me presenteado com um cd, não qualquer cd, mas um álbum da Elis Regina.. Ele é dessas pessoas que estudam pra presentear alguém e geralmente acerta em cheio. Só então me dei conta que as datas coincidem, o aniversário dele e o falecimento de Elis.
-Baita data esse dia dezenove de janeiro, dois heróis: uma que se foi e um que se vai.
A morte é um assunto que as pessoas, num modo geral, tendem a evitar, temerosas, cheias de pudores. Mas sejamos francos, não há nada mais natural; todo dia que vivemos é um dia a menos, e comemoramos felizes, nossos aniversários como que contando os dias para irmos embora de vez dessa escabrosidade que é viver.
O que dizer do meu avô que aos setenta e sete anos comprou um carro! Pra maioria de vocês isso seria um grande feito; mas, para ele é muito mais que só um grande feito, é o sonho da vida dele. Seu Almiro Rodrigues Prestes, nunca antes dirigiu, tem algum grau de deficiência visual natural da idade, e, se não bastasse é portador de labirintite… Investiu todas suas economias nisso.
-Como dizer a alguém tão determinado que não, não é possível?
Minha avó tem uma filosofia interessante a respeito.. Diz ela, a seu modo, que as pessoas não devem perder a ilusão, sua ilusão, seu lúdico, seu mundo particular. Custei a entender, mas hoje concordo plenamente com o dito.
A nós, mortais, cabe aproveitar da melhor e mais intensa forma possível nossa breve estadia, nossa passagem instável, vulnerável, passível, imprevisível e inadiável. Viver, hoje e agora, sofrer, sorrir, sentir e ser, das mais diferenciadas formas possíveis e, a nosso modo, fazer nossas próprias escolhas, bem como, arcar com nossas próprias conseqüências.
Valorizar as pessoas, as coisas, os momentos, as relações todas, respeitando a vida em todos os âmbitos e nunca, jamais deixar em pensamento o que engasga a garganta, dizer o que precisa ser dito e também não deixar pra depois nada que é de/para hoje.
-O depois não existe, o depois é a ilusão do político, não adie, não se arrependa, aprenda consigo e com outros, seja prudente consigo, valorize-se bem como aos outros.
Viva seu mundo, não só esse mundo material e limitado, mesmo porque, às vezes ele é muito inóspito. Fuja daqui às vezes, pra qualquer canto que te permita sonhar, se encontrar, estar frente-a-frente com você. Se priorize sem ser egoísta e saiba se colocar no lugar do próximo mesmo que o próximo lhe cause repugna. Tenha em vista a maior quantidade possível de pontos-de-vista e filosofe a respeito de tudo. Escreva qualquer coisa vez em quando e cante uma música triste quando assim sentir.
Ignore qualquer dica que lhe derem, mesmo essas anteriores, se não condisser com o que pensas. Aliás, não crê em nada que dizem se não estiver acordando com teus princípios, seja seletivo e crítico sem ser metódico ou extremista.
Não seja hipócrita ou ignorante, mude de opinião sempre que lhe ocorrer, e, tente ao máximo não se contradizer.
Não perca de vista a criança que existe em você, cultive-a.
E por ultimo, a suma de tudo:
-Viva e deixe viver.

“Na vida a gente leva a vida só, aproveite, você tem uma vida só pra sonhar, sofrer, tentar, fazer, errar e aprender… A viver.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário