-Ontem era aniversário do velhote que eu mais admiro nessa vida, meu avô…
Ele é a legítima figura do homem brasileiro: origem indígena, pele
parda, olhos miúdos, cabelos gris fugindo pelas famosas
entradas-frontais, caminhar cansado, braços que pesam, vista curta,
bolso furado, chinelo-de-dedo e camisa-de-time.
Completou setenta e sete sofridos anos de vida; regados a cerveja
barata, pasteis fritos na hora pelas mãos calejadas e tremulas de minha
avó e uma pequena torta, presente de minha mãe. Sem velas, já fora
difícil arrancar-lhe a real idade, que dirá expor a mesma sobre o glacê
taxativamente.
Nesse mesmo ano, no meu aniversário, ele havia me presenteado com um
cd, não qualquer cd, mas um álbum da Elis Regina.. Ele é dessas pessoas
que estudam pra presentear alguém e geralmente acerta em cheio. Só então
me dei conta que as datas coincidem, o aniversário dele e o falecimento
de Elis.
-Baita data esse dia dezenove de janeiro, dois heróis: uma que se foi e um que se vai.
A morte é um assunto que as pessoas, num modo geral, tendem a evitar,
temerosas, cheias de pudores. Mas sejamos francos, não há nada mais
natural; todo dia que vivemos é um dia a menos, e comemoramos felizes,
nossos aniversários como que contando os dias para irmos embora de vez
dessa escabrosidade que é viver.
O que dizer do meu avô que aos setenta e sete anos comprou um carro!
Pra maioria de vocês isso seria um grande feito; mas, para ele é muito
mais que só um grande feito, é o sonho da vida dele. Seu Almiro
Rodrigues Prestes, nunca antes dirigiu, tem algum grau de deficiência
visual natural da idade, e, se não bastasse é portador de labirintite…
Investiu todas suas economias nisso.
-Como dizer a alguém tão determinado que não, não é possível?
Minha avó tem uma filosofia interessante a respeito.. Diz ela, a seu modo,
que as pessoas não devem perder a ilusão, sua ilusão, seu lúdico, seu
mundo particular. Custei a entender, mas hoje concordo plenamente com o
dito.
A nós, mortais, cabe aproveitar da melhor e mais intensa forma
possível nossa breve estadia, nossa passagem instável, vulnerável,
passível, imprevisível e inadiável. Viver, hoje e agora, sofrer, sorrir,
sentir e ser, das mais diferenciadas formas possíveis e, a nosso modo, fazer nossas próprias escolhas, bem como, arcar com nossas próprias conseqüências.
Valorizar as pessoas, as coisas, os momentos, as relações todas,
respeitando a vida em todos os âmbitos e nunca, jamais deixar em
pensamento o que engasga a garganta, dizer o que precisa ser dito e
também não deixar pra depois nada que é de/para hoje.
-O depois não existe, o depois é a ilusão do político, não adie, não
se arrependa, aprenda consigo e com outros, seja prudente consigo,
valorize-se bem como aos outros.
Viva seu mundo, não só esse mundo material e limitado, mesmo porque,
às vezes ele é muito inóspito. Fuja daqui às vezes, pra qualquer canto
que te permita sonhar, se encontrar, estar frente-a-frente com você. Se
priorize sem ser egoísta e saiba se colocar no lugar do próximo mesmo
que o próximo lhe cause repugna. Tenha em vista a maior quantidade
possível de pontos-de-vista e filosofe a respeito de tudo. Escreva
qualquer coisa vez em quando e cante uma música triste quando assim
sentir.
Ignore qualquer dica que lhe derem, mesmo essas anteriores, se não
condisser com o que pensas. Aliás, não crê em nada que dizem se não
estiver acordando com teus princípios, seja seletivo e crítico sem ser
metódico ou extremista.
Não seja hipócrita ou ignorante, mude de opinião sempre que lhe ocorrer, e, tente ao máximo não se contradizer.
Não perca de vista a criança que existe em você, cultive-a.
E por ultimo, a suma de tudo:
-Viva e deixe viver.
“Na vida a gente leva a vida só, aproveite, você tem uma vida só pra sonhar, sofrer, tentar, fazer, errar e aprender… A viver.”
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