quinta-feira, 31 de julho de 2014

Gratitude


Tu me lês como se me despisses
Me desnudas.
E me descobres enquanto sem norte balbucio
Minhas loucuras.
Tu me lês e sabes do que sinto e penso
Meu tropeço.
E me regurgitas quando é demais o peso
Então repenso.
Das palavras sobrou o silêncio
E a mente borbulhante
Tu me lês e sou grato por esse breve
...instante.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

S/M orte


Mesmo que eu ande, que eu rasteje, que eu nade, que eu vague
E vagueio, em fato, sem freio, sem rumo, sem qualquer paradeiro
Não deixo de sentir o existir dolorido, colorido, rubro-de-sangue
-Vivo!

Talvez esse doer seja, em verdade e enfim, a definição do ser e o prelúdio do que eu sou
A intensidade do sentir delimitada a precariedade que tenho para com o ato de sorrir
Mesmo que a felicidade venha visitar ainda acho bobagem, reles engano, penso:
-Errou a porta...

Por não me adequar aos momentos confortáveis e aos sorrisos sem horas, sem glórias
Constantes, cintilantes, escancarados, escrachados, descompassados, plásticos demais
Logo meus dentes que só conhecem o ranger, o trincar, o tensionar até doer o maxilar.
-E o morder. O intenso e raivoso morder...

Mas talvez haja flor ao amanhecer, num dia qualquer que não desejarei esquecer
Poderei libertar-me das doenças mundanas demais, das guerras todas e da fome também
Dia em que a paz não haverá de ser só um trote e a ligação do universo se fará mais forte
Dia esse em que num brindar, cuja taça hei de beber e saudar, com todo amor...
-À morte!

Buscas incessantemente a sorte
Sem saber que o que esperas virá.
Mesmo que fujas e que negues
Um dia sorrindo te buscar, virá...
A morte.

Viver Doar Doer

A ausência dói.
Porém, por vezes a presença dói,
Sentimos pelo outro, e isso é amar
Doemos pelo risco de doer no outro e isso é amor.
Sentimos o mundo inteiro sobre nossa cabeça.

-Viver, doar, doer...

Não importa mais
Te acostumastes ao peso
Aguardas paz e descanso
Mas a paz virou lenda
E o descanso não vem
Dormes na esperança de conforto
Mas bestificas os sonhos e acordas
Coberto do suor desesperado
Coberto da dúvida e do medo
Coberto das preocupações todas
E temes pelo outro como se negasses
Tua própria existência, teu peso, teu valor.
Teimas em prezar pelo doar-se, pelo doer-se.

-Viver. Doar. Doer.

Mesmo que as outras partes não valham, não entendam, não vejam teu sacrifício.
Pensas com certa frequência em suicídio, em sumir, deixar de existir, não precisar mais viver, não precisar mais sentir. Mas sabes que alguém sofreria com tua falta, e mesmo nessa situação, não conseguirias exercitar teu egoísmo.

E acabas por te limitar a:

Viver
Doar
Doer

Sala de Espera

Ouve-se gritos da sala de espera.

Murmúrios, apelos, rezas.

Há um desespero na sala de espera;
nas cadeiras metálicas,
no chão emborrachado,
nas paredes velhas,
nas portas automáticas.

Cansam-se as pessoas na sala de espera.

Reclamam, tossem, doem, choram.

Os velhos com seus olhares
marejados sabem.
Não há saída na sala de espera,
não há jeito qualquer,
senão esperar,
esperar e esperar.

A calma fugiu há muito daqui;
horrorizada com a descompaixão,
com a frieza dos que fazem
a sala esperar.

E as pessoas na sala de espera
continuam a aguardar
Guardando a dor e compartilhando
insatisfações

Não há diferença alguma
entre as pessoas na sala de espera
que esperam
que sentem
que precisam
que doem.

Aos que nada podem senão
ansiar o chamado ecoar
do próximo a ceder lugar
ao próximo que irá
esperar.

Vida e morte,
mais um meio termo qualquer
que transita entre
tosses,
espirros,
febres e
disenterias.
Coabitando
harmonicamente
a sala das emergências.

- As pessoas na sala de espera continuam ali ...a esperar.

Sinusite

-Como pode a cabeça doer tanto?

Como pode o peso dos ombros debruçar-se na testa?
Tentas levantar, mas tua cabeça escolheu o repouso e te puxa pra baixo, e te empurra pro chão.
Seguras a cabeça e suportas o peso e a dor, levanta-te e vai até o banheiro
Tua cabeça grita num agudo inaudível e teus ouvidos não suportam.

-Na certa não há de ser o maior esforço do mundo...

Tuas narinas te abandonaram, tua garganta aguenta o fardo mesmo arranhada, mesmo ferida.
Teus dentes rangem alto, tua mandíbula cerrada dói e tua coluna exclama que teu corpo requer inércia e só.
A nuca que esqueceras se faz lembrar, e martela como se cobrasse cuidados desconhecidos. (Afinal, quê podes a nuca querer?)
Tuas têmporas cedem aos murmúrios e lamentos todos. Choram também, desesperadas sem saber como reagir a tal colapso.
Mas insistente que és levanta-te, joga água na cara, ignorando o corpo todo a reclamar... E sai.

-Preciso ir ao médico.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Despertador



Todo dia quando acordo é a mesma coisa...

Discuto comigo e arrumo mil e umas desculpas possíveis pra continuar na cama. Divago por uns quinze minutos entre prós-e-contras e, por mais que os prós sempre vençam, abro os olhos e saio do aconchego, da minha tão prezada zona de conforto... A única talvez.

Meio moribunda, meio mortificada, meio amarga, amassada, arrastada... Fico verticalmente posicionada e, mentalmente citando cada palavra suja que conheço, visto uma roupa qualquer com um tênis qualquer pra minha cara qualquer; largo uma água no rosto evitando o espelho, o reflexo doloroso com as olheiras profundas mais o inchaço dos olhos e lábios; escovo meus dentes logo após retirar a placa de acrílico que os protege do ranger noturno, da aflição natural que carrego... E saio.
 
Saio praticamente sempre atrasada, corro pro carro ultrapasso acelero freio... A maior agonia do dia, depois do sair da cama, esta no sair de casa, no olhar para o céu e ver que ainda está amanhecendo, que a noite ainda está ali de alguma forma e que a lua está ali com seus ares de deboche, se despedindo e bocejando na minha cara... Bocejo de volta.

Mês passado tinha o habito de fumar um cigarro no trânsito; impressionava como sempre dava o tempo certo de chegar ao trabalho... Mas agora larguei, e vivo com umas pastilhas pra garganta sem métrica nenhuma que não contabilizam ou cronometram coisa qualquer, só derretem enquanto vão amortecendo a língua e aliviando a dor na laringe arranhada.

É engraçado como as manhãs são assemelháveis àquela prima chata, com quem tu sempre acabavas brigando por causa de um brinquedo qualquer. Petulantes, irritantes, pertinentes, inconvenientes e inevitáveis. 

Eu não sei lidar com as manhãs, essa é a verdade.

E todo dia quando acordo é a mesma coisa...

Despertador, desperta a dor.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Temporal


O tempo me disse que um dia era pouco pra quem nada ansiava.
O tempo me disse que uma hora era muito quando esperava a amada.
O tempo me fez crer que o hoje é a dádiva que temos, quando o ontem já foi e o amanhã nem sempre vem.
O tempo me fez perceber o quanto é bom colo de mãe, como é precioso conselho de irmão e como é gostoso comida de vó.
O tempo me ensinou abraçar mais forte, a rir mais alto, a elogiar e valorizar as pessoas que me cercam.
O tempo me disse que a distância dói e a ausência mais ainda... Eu demorei pra perceber.
O tempo sempre regeu meus passos, as horas viraram um espaço e quando veio a maioridade eu confesso quase ter enlouquecido de vez.
Desde então eu choro o tempo...

O tempo que se perde ao trabalhar dia após dia.
O tempo que se despede a cada final de tarde, a cada poente.
O tempo que corre depressa demais nos finais de semana.
O tempo a ceifar vida, mês a mês e a cada aniversário um pouco mais.
Os verões preguiçosos, os invernos dolorosos e então os anos se esvaem.

Sentes a necessidade inútil de correr, correr e correr pra ver se foges do tempo...  Não adianta.
Sentes um nó na garganta e a nostalgia das alegrias que foram e que não voltam mais.
Sentes um saudosismo burro das pessoas as quais te afastaste por razões quaisquer.
Sentes um abismo de medo pelo envelhecer ou pelo não envelhecer, medo de não vencer.
Sentes uma urgência em experimentar, em permitir-se, em errar, em sentir, em tentar... Agora.

O tempo me ensinou que nada disso funciona.
Que o amanhã vem sempre, mesmo que não estejas presente.
E não existe melhor ou pior forma de viver. O tempo é de cada um e cada um sabe do tempo que têm.
A única e inerente verdade é que o tempo pra quem conta o tempo... Acaba.
E por mais cedo que dê a largada nessa corrida acirrada contra as horas...
Mais cedo espero que percebas que o tempo quem conta é o tempo e só, e sempre.
O tempo vive em ti, que um dia há de morrer...  E morre,
Sempre.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Os Pilares Sustentam



O Pilar invejou o Telhado.

Telhado que recebia o sol todas as manhãs,
Que acolhia os pássaros e seus ninhos,
Que se lavava da chuva, que assistia a lua,
E se maravilhava com o nascer e o pôr do sol.

O Pilar invejou o Telhado.

Altivo e imponente, superior.
Fazia sombra, se cobria de neve, protegia da chuva.
Só pesava e não precisava carregar peso nenhum,
Enquanto o pilar se escondia, se sujava, aguentava...
Firme.

O Pilar invejou o Telhado.

Um dia se cansou e quis ser telhado também...

A construção caiu.
Tudo virou em poeira e entulhos.
Nada mais faz parte de nada.

                        A construção caiu.
              O telhado caiu.
Acabou o pilar.

Mal sabia o Pilar...

Que em verdade,
O Telhado sempre o invejara.
- Os pilares sustentam, funcionam.
São parte essencial, como um coração,
os telhados não.

A construção caiu,
E no chão ficaram todos iguais.
Inúteis, tristes e falhos.
Materiais demais...
        Mortos.



A construção ruiu,
Ninguém sentiu,
Ninguém viu...