quinta-feira, 28 de maio de 2015

Evasivo

As cores que me amansam são as mesmas que me afligem
todos os dias penso nos deveres mas calo amorfo num canto 
Alguns tentam me achar, me procuram em quartos vazios
não respondo aos gritos e preocupações, sequer suspiro 
Se pudesse fugia maior, fugia mais forte, fugia mais longe..
se pudesse desligava a vida

Presenças confortantes me desconfortam prensando o grito
vejo precipícios em todas as portas que batendo não sei voar
Penso nos torpores que nunca senti, morro um pouco por querer
fumo meu cinismo mais a raiva intrínseca do negar o pulo vascular
Bebo pra desafogar a válvula mitral que me fez sentimental demais
bebo pra me afogar de tudo

Prazeres que são pouco senão rasos existenciais limitantes do ser
respirar é penoso, mais doloroso é tudo que faz mover entre corpos
Busquei o vazio da página branca, mas as paredes rabiscadas exclamam
uns questionamentos mais uns amores embrulhando humores sem fim
Quero saltar sem pensar na queda e voar uns segundos antes do morrer
quero saltar e voar todo o sangue

Alados os anjos tortos sintéticos derramaram vinho no cenário todo
há toneladas sobre ombros curvos, corcundas de saudades e dores
Tossindo as palavras não ditas das bocas malditas que profanei pensante
regurgito sonhos estéticos demais em busca de uma sinergia oca em eco
Eu prezo por minhas psicoses e me agarro aos surtos, logo durmo..
eu preso nessa reação-em-cadeia que eu mesmo criei
Eu prezo pelo livre surto antropológico inexplicado 
eu preso na gaiola surreal das taxidermias vitais
eu prezo pelo fim de mim
eu preso em mim
(Alice)

terça-feira, 12 de maio de 2015

Fantasmas

Tempos líquidos dizem, e tudo sentimos
a leveza dos laços leva à laço algum e somos sós
os nós se assemelham a forcas e fugimos em desatino
os desatinos são crucificados, é proibido chorar em público
não entristeça, usa de cautela, antes que queiram te curar
não faz, é contra-lei, esses comprimidos hão de te ajudar.

Amor líquido dizem, a marcha dos narcisos
em ode à loucura enaltecem uma insanidade controlada
modere suas palavras como álcool e sua rebeldia enclausure na torre
foco no que deves almejar, trabalhe, queira, faça, compre e deva
ligue, atenda, mande mensagem, diga eu te amo e seja feliz
esconde isso tudo, engole mudo, que ninguém olhando diz.

Modernidade líquida, escorrendo pelos azulejos
sem paradeiro, é feio estares assim sempre todo insatisfeito
mudança arrisca demais, fique bem aí aonde estagnou outrora
assista aos barcos partirem no cais e sinta saudade, mas por pouco tempo
preserve amizades mas sem confiar, as pessoas mentem, não se machuque
não abrace qualquer um, não dance sem música e se a música tocar fique.

Parado.

És líquido que naturalmente escorre, te restringem as ordens
sem fluidez alguma, água parada torna-se berço de parasitas e pragas
água congelada, morta, não criará vida e nunca por nada será habitada
beba até secar tua nascente e veja se anula teus anseios todos logo de uma vez
tenha uma relação estável, uma família admirável, um filho saudável e orgulhe-se
reze toda noite para um deus de misericórdia e ao fim de um dia qualquer mate-se

Morte líquida que há de escorrer pelo chão de mármore
morte infinita, por um ciclo insuprível de mágoas caladas
suicídio abstrato do que nunca pulsou ou sequer vivera
vida com capa dura e letras miúdas nunca escritas
pudesse gritar não haveria voz pra suportar
engula todo choro e logo vá trabalhar...

De luto.

(Alice)

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A Corda

Tinha um punhado de dúvidas
Tinha uma bagagem cheia de saudades
Já não sabia como era doar-se
Perdeu-se talvez em meio às confusões

Os espelhos refletiam interrogações e só
A busca incessante do saber-se já intangível
E as vozes em sua cabeça não sabem descansar

A noite era dia e o dia todo ardia feito ferida aberta
Portas abriam e fechavam sem atrair atenção alguma
Sem sibilar palavra qualquer, sentia tudo sem entender
No desejo de nada confortava-se no ócio inútil

Ócio, esse sofa mais café preto e cigarros
Ócio, essa fuga das possíveis respostas trabalhosas demais
Ócio, aquele caixão contendo os vermes que hão de comer a carne já fria

Essa quietude que amansa mas arranha é pior que o mais fervilhante caos
O marasmo mata, mas quem disse que queriamos viver?
Somos ou devemos ser...
Vivemos ou devemos viver...
Uma ordem, uma lei ou várias...
Negarás?
Negas.

Sentia a carne esfriar e o conforto do inverno era mais familiar que devia
Sentia as entranhas dilatarem e a respiração já ofegante falhar, pedia calma

Que fazer quando o que se quer é horas que arrastam correntes de duras penas?
Que fazer quando o desejo maior é apenas nada desejar e deixar tudo ser?
Que fazer quando o nada e apenas o imenso e oco nada basta?

És todo vazio
Já não sabes amar
E nada esperas do universo
Além do duro vazio de ser
Desencanto acordado
Vivendo à sorte
Sem ser velado
A cor do
Sonho?

Ocre.