terça-feira, 21 de outubro de 2014

Partida


Caiu a ficha...

Estremeci ao reconhecer o tilintar do cair.
Estremeci ao sentir o chocar da metálica peça ao chão.
Figurativamente, senti a coisa bater em mim como uma chuva de pequenos pesos de chumbo.
Senti cada hematoma que aquele ‘chocar-se’ pudera me aferir, e senti mais, senti o sangrar das feridas abertas e das cicatrizes perpétuas das dores vãs, senti mais do que deveria com certeza.
Mas que culpa devia ter se teu partir me dói feito navalha mal-afiada ao cortar dura carne?!
Tu te vais e devia eu felicitar tua partida e saudar tua vida bebendo um vinho ou talvez um conhaque, brindando tua conquista.
Riríamos dos dias em que juntos compartilhamos histórias banais, momentos fugazes, abraços eternos, chás e segredos, cigarros e uísques sem pressa ou presságio.
Mas no final, eu sei, choraríamos tua partida... E choraremos.
Por mais que voltes ano que vem ou no outro, a tua ausência é mais que simples falta.
Tua ausência é a minha incoerência talvez, minha falta de abrigo na certa, a busca infindável pelo abraço que não está ali, a fuga que eu preciso pra respirar e que não mais esperará com um chá em mãos e braços abertos, é o meu colo indo embora.
Mas segurarei o choro e te direi para que sigas sempre o caminho que escolhestes sem gaguejar meias palavras.
Vou dizer que sempre estarei aqui e que amanhã ou depois vou ao teu encontro só pra saber que tudo está bem.
Vou então olhar teus olhos brilhosos e tuas feições acolhedoras, sabendo que sempre seremos nós e que sempre estaremos um para o outro bem como é desde que nos cativamos uma primeira vez.
Não vou agradecer por ser meu irmão, por me carregar no colo, por dividir-se comigo e me aceitar em contra partida. Jamais agradecerei pelos conselhos, pelo silêncio, pelos abraços, pelos momentos, por tudo e por nada obrigada... Obrigada por existir.
Eu te amo e também odeio despedidas.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Das Loucuras

Todos querem me curar.

Tonta e desnorteada entro no carro e calo.
Talvez tenha excedido a bebida, perdi a conta dos copos.
O movimento e as luzes me embrulham o estômago.
Tu me olhas com teu comum ar de reprovação,
Desgostosa com minhas ações, julgando meu andar.
Discursa sobre um possível futuro brilhante que eu poderia ter.
Mas que, pelo meu portar, jogava aos ares todo brilho por vir.
Eu ligo a música ainda muda e dou risada por dentro.
Questiona se tomei meus remédios e me aponta que,
De nada adiante se eu jogar uísque em cima.
Olho a carteira de cigarros e, num pigarrear, percebo que estou ficando sem.
De canto de olho, mantendo as mãos no volante, dizes que estou fumando demais.
E logo indagas sobre aquelas meditações que a terapeuta havia receitado,
Inspira contando até cinco, expira contando até sete, inspira, expira... Não.
Com o suco gástrico batendo na garganta eu abro o vidro e respiro engasgando.
Antes que sibile a próxima sentença eu te olho nos olhos e peço que pares o carro.
Começo a discutir contigo, sobre como eu não preciso que cuides de mim.
Que não preciso de cura e que talvez vá morar na rua, dependendo de como a vida correr.
Fecho os punhos e começo a chorar, grito que não preciso me curar, que isso tudo sou eu, que se escolher viver no breu é decisão minha e só.
Mas ao abrir os olhos percebo que todo ódio e todo medo eram meus apenas.
Que em verdade, dirigia pela cidade em silêncio e só...

Sozinha no carro, o tempo todo.