segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Saudade


Ele fechou a porta e apagou o cigarro. A luz era baixa, com pequenos curtos na instalação elétrica; a pia da cozinha gotejava sem pedir licença, molhando a louça há semanas acumulada; a sala que também era seu quarto continha apenas algumas almofadas encardidas com fugas no forro de fibra... e ela.

Ela então se sentou beirando o sofá e lhe lançou um olhar tão efusivo e fuzilador que seus membros estremeceram; ele levantou sem pressa ou presságio seus olhos em direção aos dela, sem fugir, sem negar... Ela acendeu um cigarro e pediu um drink, “senta aqui, senti sua falta”.

As palavras eram tão dispensáveis quanto a energia elétrica naquele instante; eles se entendiam, se sentiam, sentiam muito, falavam pouco... O silêncio não era constrangedor de qualquer forma, mas sim aconchegante; ele a abraçou e a sentiu mais uma vez em seus braços, dois corações em batida ritmada, apressados demais para qualquer tipo de cordialidade. Ele serviu um copo contendo suas digitais, de um vinho vagabundo já aberto... “também senti saudades”.

O vinho foi rápido, tão logo como ela que também se foi; trazendo a luz do dia e a monotonia de mais um domingo amargo, úmido de nostalgia, suado de prazer noturno. Ao lado dele a companhia que ela também levara na bolsa, no peito, no amargor da boca cansada, da língua doce, dos cabelos bagunçados...

Junto deles a mesma companhia de sempre...

"Saudades".

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Clube do "Foda-se"


Calor infernal, mosquitos por toda parte, suor de molhar os cabelos presos, copo d’água já morna ao lado da cabeceira, pesadelos e dores nas costas, o sol entrando pela janela semi-aberta...
Acordei.
A ressaca já dura dois dias e não dá sinais de despedida. As palavras todas soam como murmúrios ecoados de uma selva cinza e completamente fora de foco, a minha cede parece nunca ter fim e eu lembro do uísque que ainda me arranha por dentro. Lembro do cachorro-quente morte-lenta que comi em uma das noites anteriores e é inevitável a ânsia ao vômito; lembro também de ter xingado o vocalista da banda por tocar algo como “lua de cristal” -você não pode tocar isso!-
Parece que os banhos frios não têm adiantado, que toda água do mundo não é suficiente e que o universo em desfoque torna-se progressivamente agradável, confortável, íntimo; menos dolorido talvez, mais surreal com certeza.
Uma narrativa ecoou em meus ouvidos assim que abri os olhos:

(Para ler ouvindo Pixies “Where is my mind”)
Existe, subentendido em todas as situações, a vida inteira, um botão verde contendo a inscrição “foda-se”. Você tem infinitas respostas pras infinitas perguntas que as vivências implicam; são inúmeros botões e por vezes há mais de um pelo qual optarás... Um deles é esse verde, o “foda-se”.
O botão verde serve pras críticas de mau gosto, e pras proveitosas também; serve pros pré-julgamentos e pros pré-conceitos todos; serve para os momentos de sobrecarga e estresse; serve pra pressão psicológica e padrões estúpidos que a sociedade em toda sua imensa hipocrisia impõe... Serve pra tudo que te prende, te censura que te impede de ir além ou de realizar um desejo qualquer.
Alguns o temem se perdem em seus pensamentos e neuras, em “comos” e “porquês”; esquecendo-se de que nem tudo é sobre certo ou errado, nem tudo é justificável ou sequer precisa de uma razão... As coisas acontecem independentes da gente, elas simplesmente são e nós simplesmente acontecemos; e por vezes o botão verde é isso: o deixar fluir.
Alguns o excedem e se tornam alienados e por vezes relapsos; perdem amigos, esquecem família, não dão valor, valorizam em excesso a “zona de conforto” que lhes é proporcionada; cultuam a irresponsabilidade como habilidade inata; simplesmente deixam que tudo aconteça com o contento de ser, da cena, telespectador... Pelo simples exaltar do “botão verde”.
Como tudo na vida, você espera que eu diga que “há de haver um equilíbrio”, mas eu odeio esse clichê. A verdade é que a única “solução” para o uso do botão verde, é uma questão de tato. Ninguém vai te ensinar a usá-lo, como ninguém vai te ensinar a crescer, como ninguém te ensinou a falar, como ninguém te ensinou a beber... Entendes aonde quero chegar?
Meu caro, só vivendo.
O importante nisso tudo é que tu te dês conta da preciosidade da existência abstrata do botão verde. Da capacidade humana que possuis quanto à absorção de ideias e do quanto isso pode influenciar na pessoa que somos/na pessoa que queremos ser.  O mundo está em tuas mãos, ali, acontecendo, ele não vai parar pra te assistir; então, porque parar pra assistir o mundo?!
Nós podemos tudo. "Foda-se" os que pensam o contrário.

Dei alguns passos ainda desnorteados pelo quarto e sentei novamente na cama, tudo girava como o movimento de rotação e translação da terra. Eu vi as coisas vivas e me senti então meio morta; incapaz de girar no mesmo ritmo das coisas.
Olhei pra mim, senti minha cabeça pesar mais que o resto do corpo todo; tudo estava no lugar afinal, tudo estava ridiculamente no lugar e isso me fez odiar cada partícula da minha existência vil e rasa.
Levantei com todas as forças que me restavam e fui até o banheiro; joguei alguns litros de água no rosto como se aquilo fosse me acordar de uma realidade eminente; olhei no espelho e senti vergonha daquela cara, das olheiras, do sono, da ressaca... Logo passou.
Esses momentos reflexivos nos botam num astral ridiculamente baixo, são momentos baixos, e o peso das ideias nos doe feito diabo... Logo passa.

"This is your life and it's ending one minute at a time." Tyler Durden


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Morbidez das Coisas

A verdade é que: das coisas todas 
eu gosto menos.

Hoje eu gosto menos de filmes de comédia
Nem me importo se chove ou se faz sol
Não pergunto se a bebida é liberada
Se a cerveja é gelada, tanto faz.

Sombreiros coloridos não me animam
Balões com Helio já não me satisfazem
Desenhos animados não me preenchem
E o tempo passa arrastado.

Porque das coisas todas eu gosto menos.

Já não paro mais pra ver a imensidão do céu
Não consigo ver figuras ou algodão nas nuvens
Deixei de apreciar a rosa por me ferir no espinho
E logo me tornei apática, ao longo do caminho.

Se meu time venceu, eu nem soube, eu nem sei
Quando o mocinho morreu, eu sequer lamentei
Lembrei dos dias de verão e nem saudade bateu
Olhei no espelho e não sei se aquele reflexo é meu
Das minhas certezas só restaram dúvidas.

Porque das coisas todas eu gosto menos.

A piscina do vizinho não me causa inveja
As pombas na praça central só me causam repulsa
Progressiva e nostalgicamente perdi a lucidez
Abraçando a loucura e esquecendo a sensatez

Afastei-me das doenças mundanas
Das causas profanas não quis mais saber.
Em cárcere a luz ofusca meus olhos
A visão distorcida pesa meus ombros
Dei de costas pro mundo e abandonei o palpável
Minha missão é louvável, vocês hão de saber!
Hoje desapego de tudo que seduz,
Agora monto minha cruz e vou-me embora.

Porque das coisas todas hoje eu gosto menos...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Apego às Causas Perdidas


Hoje te apago do meu diário e te junto às causas perdidas.
Eu que há muito insisti tanto,
Que quis tanto e suportei mais,
Te achei lindo, te quis bem e te chamei de “meu amor”
Agora não mais.
Agora não eu.

Agora, te largo junto às baratas que repudio.
Agora, te jogo pro fundo do baú de velharias.
Pra que faças companhia às minhas tantas outras incredulidades.
Como quando eu deixei de acreditar nos natais...
Eu tardei
Como quando me aceitei descrente aos deuses dos homens...
Eu tentei

Mas não obstante, insistes em doer
Não sabes que a dor; essa dor que agora acalanta
Já me é velha anfitriã e eu, sua refém calada
Sou grata em saber que tudo passa e tudo é breve
Que o tempo vem, o vento sopra e a vida é leve.

E hoje eu, que insisti tanto...
Eu, que sempre insisto tanto...
(Nas causas perdidas da minha vida)
Acolho a todo e qualquer pranto
Talvez tarde, mas ainda em tempo
Então te falo olhando pra dentro
Pro fundo do baú das coisas a esquecer
Que eu não tenho mais amor pra perder.
Que eu não mais contigo insisto.
Tente entender... 

- Adeus, eu desisto.