quinta-feira, 24 de maio de 2012

Sê vivo ou sê morto, tanto faz.


Os barulhos à noite me incomodam.
Noite combina com silêncio
Silêncio e escuro.
A luz do poste refletida no asfalto molhado me incomoda
Pessoas aceleram seus passos, afoitas, transpirando medo
Medo do silêncio, medo do escuro...
O barulho dos carros apressados me incomoda.
Ando no meio da rua, vazia
Não tenho medo nem pressa
Se me atropelam, se me roubam, se me matam...
Tanto faz, tanto fiz, tanto fez.

Pensei comigo: se eu morresse, tanto faz. Pensei comigo, talvez eu tivesse sido grande coisa, mas que grande coisa espero ser? Talvez eu tivesse tido lindos filhos e uma casa com jardim, mas é esse o plano todo? Quem sabe, eu tivesse tido uma grande ideia, mas com tantas cabeças pensantes seria eu a dona dela? Sabe se lá quantos mais amores teria tido eu, mas saberia será qual deles é meu? Na certa muitas vezes mais teria eu sofrido, e as lágrimas que rolam não voltam; e a dor que sentes é grande, inexplicável. Vale tudo por tudo isso que virá? Crescer, envelhecer, ver nascer, ver morrer... Quantos mais aniversários hei de celebrar brindando a morte que se aproxima sem avisar? Quantas rugas hei de ver brotar em minha face, enquanto olho pra traz sentindo as dores da nostalgia apática? Será que aguento o tranco? A dose cavalar de vida imposta diariamente, sem cessar, sem pausa, sem que possas negar a próxima dose... Sinto os rasgos do tempo em meus músculos, minha pele grita; não há o que se possa fazer, o tempo vem, o tempo vai; a vida vem, a vida vai.
“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa”
No fim das contas, pensei comigo, quem na vida tanto fez, tanto faz. Por mais que aconteça, por mais que sejas, por mais que vivas; és, sou, somos, irrelevantes; orgulhosos demais em nossa imensa insignificância.
- Pois quem tanto fez, tanto faz!
A vida nos fode a todo o momento; como uma meretriz de luxo que vem, faz seu serviço sujo e sem qualquer cordialidade, cobra seu alto preço e se vai; sem dizer se foi bom, sem dizer adeus.

Se me atropelam, se me roubam, se me matam;
Tanto faz, tanto fiz, tanto fez.
-Gosto do escuro e do silêncio.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ataque Cardíaco


Às vezes eu penso demais
E então minha cabeça pesa
Logo meu peito aperta
Minha mandíbula cerra
E eu me esqueço de respirar

Um dia desses quase perdi,
Minha parada.
Dentro do ônibus,
Parada.
Esqueci onde era mesmo o meu lugar
Casa bacana
Barraca ou cabana
Marquise, viaduto ou sei lá
Eu que sempre chamei todo canto de lar

Calada.
Desço mecânica
Caminho, torta
Mas quem se importa
Não há quem possa me salvar

Há essas horas da noite
Em que as pessoas correm
Em que as luzes morrem
Ouço então a plateia me saudar

À minha cadência
À minha de-cadência
À minha demência...
E é com certa violência
Que me lanço às ruas
Que me entrego à lua.

Não ando em calçada ajeitada
Sinto o piche da rua asfaltada
Olho o céu
Olho o chão
E só então
Eu penso...

Às vezes eu penso demais
Minha cabeça pesa
Meu peito aperta
Meus dentes rangem
E eu me esqueço de respirar..

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Quarentena


Raspar a cabeça
Trancafiar-se
Bons filmes
Bons livros
Boa música
Uísque
Nudez
Poesia 
Filosofia
O gato mia...
Esquizofrenia

Sinto que há em mim uma tendência esquizofrênica; uma vontade arrebatadora de sumir do mundo social, como uma espécie de quarentena.
Vontade de calar, de não precisar forçar bom-humor ou sorrisos platinados, de não desejar “bom dia” nem atender a quaisquer ligações; vontade de tolerar só a mim, de estar só e em silêncio, de curtir o ócio, o vazio das horas..
Seria como uma bruta limpeza pra tirar as impurezas que a rotina impregna em minha carcaça. Algo radical como raspar a cabeça, me despir, meditar, não comer, não falar, abrir a mente e dedicar tempo integral às coisas que quero aprender; dar lugar às artes, ler todos os livros os quais me interesso, assistir a todos os clássicos do cinema, espetáculos de dança e teatro e muita, muita música.
Nada de jornais, revistas, moda, política, falso moralismo, hipocrisia, falso humanismo, capitalismo, economia, previsão to tempo, transito ou engarrafamento.. E tudo mais que manipula direta ou indiretamente, descarada ou discretamente, o comportamento dos “seres sociais”.

Parece T.O.C., mas em verdade, isso tem me despertado urticárias; Penso muito, e, quando deito a cabeça no travesseiro me cubro completamente pra ver se reduzo meu âmbito à área cúbica que habito enquanto durmo, ou seja, minha cama e eu; e então esse é o meu mundo até a hora de acordar.

Despertador
Levanta
Café-preto
Banho-frio
Preguiça
Uniforme
“Bom dia”
Correria
Todo o dia
O telefone
A campainha
Mão na buzina
O gato mia...

Soltos


Tenho pensado muito.
Tenho tido algumas idéias soltas.
Tenho as deixado ir... soltas.

As pessoas precisam do ócio.
As pessoas, negam, mas precisam umas das outras.
As pessoas querem umas as outras, o tempo todo.
As pessoas se sentem sós, eventualmente.
As pessoas são incompletas e incompreendidas, ocasionalmente.

Eu quis correr, mas era tarde
Sussurrei gritos tortuosos, sem alarde
Tive medo, mas era tarde
Não se recua quando já na metade
Do caminho
Dó, carinho...

Quis calor, mas só fazia frio
Percorria a espinha num arrepio
Procurei abrigo na rosa e sangrei no espinho
Mergulhei fundo, mas era raso
Ceguei os sentidos, mas era áspero.

Com o tempo, te acostumas com o barulho.
Com o tempo, te vicias ao silêncio.
Barulho é bom quando evitas o pensamento.
Silêncio é bom quando os olhos falam...

Procura as palavras, mas há muito elas se foram
E permanecem ocultas, escondidas no vermelho dos teus lábios
No apertado abraço pelo qual suplicas
Procuras algo...
Em vão.

Procura o calor dos corpos
Procura os olhos fechados de quem sente muito
Procura a humanidade, a singularidade..
De cada abraço
Daquele abraço
Naqueles braços
Aquele espaço...

Bonecos ocos cheios de sentimentos
Confusos
Difusos
Contraditórios paradoxos
Existenciais
Substanciais
Transitórios entre ser e estar
Instáveis
Instantes.

Tenho tido muitos pensamentos.
Tenho os deixado ir
Tenho te deixado ir
Soltos.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Rota de Colisão


-Sai da frente que eu to descendo!!

Foi exatamente essa a cena.

Ela estava descendo em sua pequena bicicleta lilás o morro da rua de casa;
Beirava os cinco anos de idade e nunca se contentara com as brincadeiras de boneca; gostava de subir nas arvores, de jogar futebol com os meninos, etc.
Já na metade do morro, seu cachorro atravessou em sua direção... Ela não tinha freios, no entanto, preferiu mesmo já tendo ganhado velocidade, se jogar no cascalho a atropelar o animal.
Machucou-se muito, esfolou, bateu, sangrou; mesmo assim, levantou rápido e prontamente foi prestar assistência ao cão que não havia sofrido sequer um arranhão.

Entendeu?

É da natureza dela, esquecer-se de si.
Desde aquele dia, deixou-se de lado pra cuidar de qualquer pessoa que chegue perto o suficiente.
Ela não tem medo de se machucar; ao contrário, ela sabe que vai se machucar. Sabe que vai sofrer, sabe que vai chorar, sabe dos riscos todos...
Ela optou por arriscar e assume todas as consequências.
Optou por ser desmedida; por tentar sempre, por sonhar sempre, por amar muito, por viver muito, por andar pelas ruas à noite, por confiar em todos, por abrir o coração, por não esconder o choro, por escolher a canção, pelo drama e pela risada alta, pelo romance e pelo uísque... Bebidas quentes, coração quente...

Talvez ela precise de alguém que cuide dela, mas é difícil dizer; parece mesmo que é assim que deve ser... Sozinha, se doando demais, aceitando migalhas gratuitas, mas sem nunca pedir algo em troca...

Dizem que ela gosta mesmo é dos abraços.

Alguns se sentiam culpados, outros se apaixonavam. De uns ela arrancou lágrimas, muitos a levaram às lágrimas. Por todos ela sentia, pelo sim e pelo não, sentia muito.

Ninguém tem culpa; naquele dia ela fizera sua escolha...

Descer o morro sem freios.